quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Trabalhadoras da América do começo do século XX



Dez anos depois da estréia de "Sallie Snooks, Stenographer", de Dink Shannon, comentado aqui nesse blog, além das heroínas de Brinkley e tantas outras, A.E.Hayward lançaria a sua versão da mulher trabalhadora Somebody’s Stenog” , em 1918. Outras protagonistas femininas que davam duro pela sobrevivência seguriam, cada vez mais numerosas e com diferenças entre os lançamentos cada vez menores. 
Alguns autores atribuem à Primeria Grande Guerra esse crescimento e reascendimento de uma demanda pelas girls strips que trabalhavam. Faz sentido. Afinal, além de seu envolvimento sem precedentes no próprio conflito, sejam como enfermeiras, operárias nas fábricas da guerra ou mesmo em trabalhos voluntários, muitas mulheres assumiram o comando do lar e das economias com seus maridos na guerra, ou tornaram-se arrimo de família. Também a ausência de mão de obra masculina abriu espaço para o sexo feminino em profissões antes vetadas, sem falar no reconhecimento dos serviços femininos na guerra. De qualquer forma, os quadrinhos são uma arte industrial, e como tal, atendem a qualquer demanda que possa consumí-la, independente de sua ideologia e lugar social, como bem atesta a indústria armamentícia.






Somebody’s Stenog conta as aventuras da secretária e estenógrafa Miss Cam O'Flage. Com relação à sua antecessora Sallie Snooks, de Dick Shanonn, e mesmo as mocinhas não-trabalhadoras dos quadrinhos do início do século, O'Flage apresenta maior densidade e uma personalidade mais rica, ou com mais "profundidade", como quer o filisteísmo crítico. Evidentemente, "profundidade", como qualquer outra característica, não pode ser considerado uma qualidade estética per se, mas Em Somebody’s Stenog, entretanto, a riqueza da personagem cria uma empatia com o leitor que a ajudou a participar da mudança de rumos das tiras de jornal. A saber, de piadas auto-conclusivas para as narrativas seriadas da segunda década do século. De fato, a loira O'Flage, sempre presente nas páginas dominicais, tem seus dias contados com simpatia e piedade (piedade que Hemingway considerava essencial para a obra de arte) e uma alternância de humores que ajuda incluse a denunciar a duração da jornada de trabalho como capaz de conter - e determinar - toda uma vida. As tramas são quase sempre idênticas: O'Flage recebe uma missão, distrai-se durante o trabalho, mas o acaso a ajuda a ser recompensada e reconhecida como a grande secretária que é. Suas aspirações são modestas e igualmente simpáticas: conseguir comprar um luxuoso casaco, poder tomar uma soda durante uma hora com uma amiga e namorar. 

O traço de Hayward é despretensioso, econômico e altamente narrativo, o que nos ajuda ainda mais a identificar O'Flage com uma agradável narrativa cotidiana. Suas pernas finas contrastam com o rosto redondo e desenhado de forma prosaica, e os diálogo se desenvovem sem dós de peito, mas também sem maiores tropeços estilísticos. Somebody’s Stenog é um comovente elogio da vida da mulher trabalhadora do início do seculo XX. Hayward trabalhou no personagem até 1939, quando morreu.


...




O primeiro grande sucesso das girls strips viria, entretanto, com um ex-comediante e dançarino de vaudeville chamado Martin Branner, que criou em 1920 a tira diária Winnie Winkle, the Breadwinner. A tira diária trata, como em Somebody’s Stenog, de uma trabalhadora e de suas vicissitudes. Diferentemente de sua antecessora, entretanto, Winkley já participa da geração de tiras de continuidade, e suas aventuras transcorrem ininterruptamente por 76 anos, 26 anos depois da morte de seu criador e mais de 40 depois do derrame de Branner, que o obrigou a entregar a tira integralmente ao seu assistente Van Bibber.



A tira também traz a marca do substituto do até então onipresente Hearst como maior editor de quadrinhos do mundo, o capitão do exército americano Joseph Medill Patterson, fundador do jornal Chicago Tribune, entre outros. Patterson, diferentemente de Hearst, chegava a discutir os personagens e mesmo a tira como um todo com os cartunistas, sendo co-criador de várias delas. No caso de Branner, sua própria carreira - que vinha de dois fracassos anteriores com tiras que não conseguiram completar um ano de existência -pode ser atribuída a Patterson, que também encomendou e deu as diretrizes de Winnie Winkley.
Como dissemos, Winkley já nasce durante a febre das tiras com continuidade, como Gasoline Alley e The Smiths, e como essas, a vida da protagonista se modifica dezenas de vezes ao longo dos anos, como a adoção de um irmão menor - que se transforma no protagonista da página dominical - o casamento com o insosso Will Wright e seu desaparecimento durante a Segunda Grande Guerra, deixando Winnie viúva (provavelmente a primeira dos quadrinhos) e grávida. A personagem também passa da miséria para a fortuna para a miséria diversas vezes durante sua longa vida, um dos procedimentos mais usados nas tiras dos anos 20. 
A tira, criada durante o auge dos sindicates, também usa de outro expediente comum dos produtos da época, o de assumir vários gêneros de tira em uma só, podendo estrelar nos jornais tanto como uma girl strip, quanto como uma kid strip (no caso da tira dominical protagonizada pelo seu irmão adotivo), ou mesmo uma family strip, já que anos depois de desaparecido, o marido de Winkley misteriosamente reaparece em sua vida. 

   
Branner não chega a ser uma sumidade artística. Seu desenho beira o inexpressivo, e seu texto o irrelevante. Winkley foi seu único trunfo, mas realizou-a por muitos anos com o enlevo de um pai amoroso. Uma curiosidade a respeito da tira, entretanto, faz pensar sobre uma capacidade de captar a "estrutura de sentimento" de sua época, além é claro, do enorme sucesso de Winnie Winkley, que chegou a ser publicada em mais de uma centena de jornais por mais de meio século. Branner lançou diversas modas, e divulgou outras, por meio das roupas e objetos de desejo de sua protagonista. De fato, mais de um crítico já chamou a atenção para o apurado senso de moda de Winkley. Senso que talvez deva a Branner, ou simplesmente à sua equipe, ou mesmo ao personagem. Afinal se Branner nunca conseguiu dar vida à sua criação, suas milhões de leitoras ao redor dos Estados Unidos cuidaram disso, de uma forma que somente os grandes personagens da cultura de massa conseguem ser cuidados.  

...
Tillie the toiler, de Russ Wetshover

Exatos dois meses depois da estréia de Winkley, Não se sabe se por coincidência, Zeitgeist ou mera competição,  Russ Westhover, por encomenda do sindicate King, assina a primeira tira da maior competidora de Winkley, e a única que vai alcançar o estrelato do cinema, na pele da atriz Marion Davies, Tillie, the Toyler. O personagem ganha uma página dominical após 1 ano de tiras diárias - uma prova cabal de popularidade - e sua vida desenvolve-se como uma novela, da mesma forma que Winkley. Tillie, entretanto, tem os seus momentos de transcedência do escritório - onde faz o papel da bela secretária morena, bem-vestida e de longas pernas - quando posa para lentes de fotógrafos da moda. A personagem passa os primeiros anos da tira sendo a obsessão do pouco agraciado MacDougall, mais um personagem desenhado com os traços dos cartuns do início do século, enquanto tillie era diligentemente traçada como uma ilustração das revistas de moda. Como Winkley, a vestimenta de Tillie é pesquisada e realizada com esmero, e como Winkley, vai lançar e divulgar modas e formas de comportamento entre as leitoras cada vez mais numerosas de jornais. 
Após três décadas de trabalho, Westhover passa a tira para o seu assistente direto, Bob Gustafson, que desenha e escreve Tillie até 1959, quando casa a beldade com o persistente MacDougall, para nunca mais serem vistos em tiras de jornais. Um caso espetacular de um personagem que sai da História (em quadrinhos) para entrar na Vida. 
O fato de ter sido adaptada para o cinema em 1927 mostra a intrínsica ligação entre os dois meios, que resultaria em uma verdadeira contaminação á partir dos anos 60 e na sua dissolução como maneira, nos anos 2000. Tillie the toiler não foi a primeira, nem mesmo a primeira girl strip a ser interpretada no cinema. Ella Cinder (1926) e o melodrama kid strip, Little Annie Rooney (1925), entre outros, já haviam conquistado a Grande Tela.  Nos quadrinhos, Segar fazia a sua desastrada tentativa de adaptar Chaplin para as tiras diárias. Mas a sua interpretação por uma estrela de primeira grandeza da época, como Davies, mostra que uma indústria começa a tratar a outra como tendo públicos equivalentes, coisa que o esnobismo cultural posterior vai considerar uma infantilização do público cinematográfico. Em tempos sombrios, os atributos da infância passam a figurar como demência. Ou pior.

página dominical devidamente roubada de outro blog. a top também é de Westhover.


A popularidade do personagem, permitiu que revistas femininas publicassem os modelitos de Tillie. 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Cliff Sterret e a "girl strip" que não era


Como vimos nos posts anteriores, é falsa a atribuição a Cliff Sterret a criação do gênero girl strip, o que não muda em nada a importância e extrema qualidade de sua obra. De qualquer forma, qualquer atribuição de paternidade histórica deve ser vista com suspeita. As coisas nunca acontecem assim e, como garante meu amigo, o pensador Joaquim Toledo, a "criação histórica" é muito mais uma questão de patente legal do que de sopro divino.

Clifford Sterret nasceu em Minnesota, em 1883, filho de um farmacéutico de família escandinava. Como vários de seus contempoâneos, após um rápido curso de artes, foi tentar a sorte com o nascente e pujante jornalismo e cartunismo em Nova York. Após um começo, com dezoito anos, como assistente dos cartunistas do New York Herald, submete seu trabalho ao New York Telegram, onde é admitido com o cartum Ventriloquial Vag, de onde se seguiu Merry Ha-HaWhen a Man’s MarriedBefore and After e For This We Have Daughters, mas foi com Polly and Her Pals que o artista fez justa fama e fortuna.



O historiadores de quadrinhos, entretanto, costumam a atribuir à tira qualidades difíceis de serem aferidas por sua leitura desarmada. A protagonista é anunciada como uma representante da liberação da mulher no início do século, com seus penteados curtos e roupas atrevidas, além de sua discreta liberdade sexual. Mas se a compararmos com as divas diabólicas de Neil Brinkley, ou mesmo a personalidade exuberante de Mis Bountifull, Polly não passa de um perfil, uma estampa refilada contra os fundos psicodélicos e a vida familiar de dois velhos pais em luta contra um mundo que se modifica perante os seus olhos, um mundo no qual sua filha, Polly, é muito mais um dos sintomas do que a primcipal causa de sua angústia. 

A planaridade de Polly, que sequer chega a se configurar um personagem, também não deve ser usada para denegrir o maravilhoso trabalho de Sterret. Sim, Polly é plana, menos que um ideograma, algo como uma efígie de mulher. Um personagem genérico, enfim. Mas foi com esses personagens que a pintura de Manet livrou a pintura européia de sua centenária "profundidade" lacrimosa e piegas. 


Página dos primeiros anos de Polly, onde Sterret já mostra a peculiaridade de seu raciocínio e desenho, mas ainda longe da exuberância de sua maturidade mostrada nas imagens que seguem.





Também muito se falou do "modernismo" e do "cubismo" dos fundos de Sterret, julgando uma adesão eufórica à estética do mundo industrial, que coadunaria com sua suposta celebração do novo papel da mulher na sociedade. Esse critico também não consegue enxergar essa adesão, mas sim uma aquela resistência levantada por  Agambem em seu célebre texto. Essa "resistência ao contemporâneo", grosso modo, seria uma das formas mais fortes de inserção no próprio contemporâneo. Não uma adesão cega, mas uma relutância fruto da reflexão e do diálogo com as sombras resultantes da Luz da Razão e da História, quando lançadas sobre os fenômenos.

Assim, Sterret seria um art deco contra o art deco. Um "cubista" (em um sentido  é justamente muito fraco e diluído) contra o cubismo e, como não poderia deixar de ser, um entusiasta do novo papel da mulher pouquíssimo entusiasmado com o novo papel da mulher. E é justamente essa sua relutância e, principalmente desconfiança com relação ao mundo contemporâneo que cria a sua força, mas do que a retira. Essa desconfiança não deixa Sterret esbarrar nos ideologismos que corroeram boa parte da criação vanguardista italiana e brasileira, para dar dois exemplos próximos. Também o impede de cair no entusiasmo técnico e estilístico que deixa boa parte da produção cultural tão aborrecida e, ironicamente, pobre

Grandes artistas, se não os melhores, usaram essa relutância e resistência a vida contemporânea para produzir suas obras. Muitas vezes essa relutância se baseia em um arcaísmo, uma busca no passado de ferramentas para a leitura do presente. Giotto inspirou-se na escultura pisana das gerações anteriores para polemizar com a pintura cortesã, e assim, ajudar a inaugurar a pintura intelectual renascentista. Bruneleschi a mesma coisa com a engenharia romana, em contraste ao entusiasmo humanista de seus contemporâneos. E Crumb busca em Smith, Segar, Fisher e Herriman a forma de pensar a Cultura Psicodélica contra a Cultura Psicodélica. Como Sterret faz parte da primeira geração de uma nova arte, vai buscar em outros meios - a decoração Deco e a pintura cubista - os argumentos para discutir o seu meio. Mas os quadrinhos são usados aqui para corrigir a pintura cubista, assim como a decoração Deco. Afinal, no novo meio, sobra a espontaneidade popular e imediata que nenhuma dessas duas artes conseguem alcançar.



A outro vetor dessa equação é a fulgurante liberdade criativa de Sterret, uma selvageria que o faz recorrer ao já desacreditado cartum de pantomima (outro arcaísmo de resistência), mas que cria desfechos absolutamente impensáveis, como são impensáveis os roteiros. Não se trata dos malditos finais "surpreendentes" para as acadêmicas produções do cinema americano. O impensável que estamos falando, é resultado do Indisível (como Wittgenstein escreveu certa feita), e é provavelmente por nos mostrar esse mundo abaixo e anterior (no sentido filosófico) da linguagem é que Sterret não use palavras. De qualquer forma, alguns aspectos realmente o separam da maior parte de seus contemporâneos. O desfecho violento, a surra, bofetada, tijolada, pedrada e pancada que terminavam a maior parte das tiras, cartuns e páginas dominicais não aparecem em Sterret, assim como não são usadas em MacManus, seu contemporâneo que mais o inspirou, e, como sói acontecer com nosso artista, buscou contrastar.

Outro artista que inspirou Sterret é Herriman, com seus cenários cambiáveis, seu lirismo excêntrico e suas histórias sem roteiros ou acontecimentos, ou seja, sem uma trama tradicional. Diferentemente do cartunista de Krazy Kat, entretanto, Sterret usa cores planas em linhas duras e dinâmicas, evitando os achurados de sombras, aproximando-se mais de outro mestre dos primeiros cartuns, o alemão Feinninger. E Feinninger tinha real contato com o modernismo, principalmente o expressionismo alemão, cuja perseguição pela cretinice nazista o fez exilar-se nos Estados Unidos. E talvez seja mesmo de Feinninger que Sterret mais se aproxime, o que diz muito de sua originalidade, dada a distância entre os dois trabalhos.

Em outras palavras, Polly and Her Pals e seu criador, são obra de seu tempo e dialogam, alimentam-se, debatem e, principalmente, entram em atrito com ele, como fazem as grandes obras de arte. E é justamente por essa convivência cheia de atritos, ruídos e questionadora com sua contemporaneidade que trabalhos como Sterret mantém a juventude, fazendo com que Polly and her Pals e outras obras de Sterret sejam das mais atuais dos desbravadores dos quadrinhos.

Sterret também criou tiras para encimar as páginas dominicais, chamadas de "tops" e outros personagens, mantendo a unidade - intelectual e qualitativa - de sua obra, que marcha, com interrupções e mudanças de formatos e percursos, até junho de 1958, seis meses antes de sua morte.




sábado, 22 de junho de 2013

mais algumas quadrinistas do início do século XX nos estados unidos


Não fosse a extraordinária pujança financeira e criativa dos quadrinhos na primeira década do século XX, as cartunistas mulheres poderiam se sentir imprensadas entre o gênio adocicado dos querubins de Rose O´Neill e as diabólicas mulheres fatais da magnífica Nell Brinley, citada nesse blog como um dos primeiros - e melhores - autores de girls strips. A ausência do gênero na frase precedente é proposital.


Aqui as divas de Brinkley, modernas avant la lettre, debochadas, criativas e encharcadas do daimon
(δαίμων) que Platão acreditava serem exclusividade dos homens.
Afinal, algo como esse imprensamento surgiu durante a pintura reanscentista enquanto Michelangelo e Leonardo estavam vivos, obrigando jovens artistas ambiciosos a pintarem "à maneira de" qualquer um dos dois gigantes, e um jovem de Urbino chamado Raphael a inventar o estúdio de arte comercial. Nos quadrinhos brasileiros contemporâneos, pelo menos no decadente e escasso veículo dos jornais, acontece a mesma coisa, sem contar a ausência quase absoluta de autoras mulheres.

As Três Graças Sufragistas, de Brinkley se transformou na imagem mais reproduzida, eficaz e icônica da causa do voto feminino naqueles anos.
Nos quadrinhos americanos do início de século passado, entretanto, havia espaço suficiente para autoras absloutamente distintas e de qualidade idêntica a O´Nell e Brinkley.
Edwina Dumm (1893-1990) é das primeiras - e únicas - cartunistas mulheres a ilustrar com cartums os editorais políticos dos jornais. Adepta fervorosa da causa do sufrágio feminino, Edwina tornou-se célebre por seus personagens caninos, presentes no gênero sindicalizado "boys strips". Sua obra mais famosa,  Cap Stubbs and Tippie, teve seu debut em 1918, tendo a autora desenhado e escrito pessoalmente a tira até sua última aparição, em 1966.  Cap Stubbs and Tippie é o primeiro nome da tira, seu nome sindicalizado, digamos assim, para torná-la um produto identificado com as boy strips ou as family strips. O cachorro, entretanto, foi tornando-se cada vez mais protagonista, até o nome da tira ser modificado para Tippie já nos anos 20, podendo, entretanto, voltar ao nome original nos seus 50 anos de existência



Um dos cartums políticos de Edwina, realizado enquanto ainda tinha 19 anos.

Edwina era extremamente talentosa, e capaz de realizar uma tira em uma hora de trabalho, como atestam seus colegas e testemunhas da época. Essa velocidade e o virtuosismo a ela atribuídos pode ser aferido na própria fatura de seus desenhos, de arestas abertas e velozes, dando as figuras uma aspecto volátil muito próximo a pintura cortesã de Watteau, no século XVIII. Diferentemente do francês, entretanto, que retratava uma sociedade em extinção, Edwina mostra uma sociabilidade sempre em mutação, ainda que ancorada nos laços supostamente perenes da família burguesa. Só que essa família, ao invés de concentrada no núcleo do pai e mãe,  das tradicionais family strips  da época, foca toda a ação no trio Stubbs, Tippie e na avó sara Bailey, uma espécie de superego da dupla protagonista. Essa ação centrada em laços parentais não-nucleares como a "avó" ou o "tio" - a forma como as crianças chamam genericamente os mais velhos - cria essa ligação idealizada entre os personagens, tão usufruída pelo posterior espírito Disney, assegurando não só a identificação com os protagonistas por seus leitores como a asserção da família representando a sociedade como um todo.
















Mas realmente o grande personagem da tira é o cachorro. Aliás, fisicamente idêntico a outros protagonistas caninos de Edwina, como o posterior Simbad. Tippie era um retrato do terrier que a artista tinha desde a muito, assim como Stubbs era o alter-ego da própria Edwina, que nunca se casou e passou toda a vida com uma companheira - evidentemente também afetiva - da qual chegou a ilustrar a capa do disco que a mesma gravou, no final dos anos 40.
Somente a metáfora de Tippie & Stubbs, tanto da preferência sexual acobertada, quanto da mulher colocada como criança em uma sociedade patriarcal falocrática já seria o suficiente para transformar Edwina em um ídolo da luta feminista, ou, no mínimo, demolição dos gêneros.




Além do deslocamento e do gênero, o cão é uma brilhante metáfora do comportamento social, e suas tiras mudas são verdadeiras obras-primas dos quadrinhos de todos os tempos, tanto no desenho fluido e fluente como na construção narrativa igualemente difusa e indeterminada, visto que em muitas tiras de Edwina, como aliás em muito da produção contemporânea, a piada que encerraria o ciclo da tira é substiuída por uma vaga alusão às ideias e a própria produção do artista como um todo.

*

Ethel Hays (March 13, 1892 – March 19, 1989) é um dos mais extraordinários desenhistas de quadrinhos de todos os tempos. A aplicação do gênero no masculino é, de novo, proposital e visa levantar mais um problema para a discussão do gênero, tendo em vista que tratá-la como "uma das mais extraordinárias desenhistas" poderia limitar a minha colocação às desenhistas mulheres, quando, na verdade, muitas das artistas das quais trato, devem ser tratadas como parte do grupo de melhores quadrinistas do período. Os poetas resolveram esse problema banindo o epiteto "poetisa". 





Ethel Hays teve sua atenção direcionada para os quadrinhos quando, durante o curso de pintura, que ministrava para veteranos feridos da Primeira Guerra Mundial, um de seus alunos disse que queria aprender a desenhar tiras de jornal. Matriculando-se no curso por correspondência que depois iria ajudar a forma o mestre Roy Crane, Ethel pode adquirir rapidamente - graças ao seu extraordinário talento - os rudimentos da nova arte e, em alguns meses, já trabalhava para o periódico Cleveland Press, em 1920.

A clareza com que Ethel desenvolve tanto suas ideias quanto seus desenhos deve-se a ausência de resistência entre o que o artista quer fazer e o que consegue realizar. Muitas vezes, essa falta de atrito pode gerar um desagradável exibicionismo técnico, mas, como dissemos, Ethel tinha assunto suficiente para trabalhar incansavelmente, a saber, o novo papel da mulher na sociedade burguesa.

E para isso, Ethel vai apelar para a grande moda do início do século, o Art Deco. O Art Deco é, grosso modo, o desenvolvimento progressista positivo do reacionarismo Art Noveau, sempre preocupado em dar ares aristocráticos e naturais para a arquitetura burguesa, assim como a ideologia naturaliza a classe social. O Deco, por estilizado e alienante que seja, tem o mérito de citar abertamente a sociedade fabril, prometendo um paraíso, é verdade, mas não o paraíso da vegetação metalizada do Noveau, e sim o paraíso do consumo de produtos fabris, imitados nas roupas, penteados, pinturas e, é claro, quadrinhos na época.

Com o novo posicionamento social da mulher ainda cambaleante, tanto quanto sua recepção pelos homens, Ethel para oferecer um porto seguro, uma asserção vigorosa da nova mulher por meio de seus traços e roteiros, que não hesitam em colocar suas heroínas do cartum "Flap Fanny" em situações constrangedoras, sem, é claro, perder o charme e a deliciosa sensualidade. Autênticas pin-ups da liberação feminina, por paradoxal que isso possa parecer.





Nas tiras horizontais, entretanto, o talento de Ethel fulge ainda mais, já que desenha pessoalmente suas belíssimas letras, em formas de arcos decorativos, provavelmente o melhor trabalho de letras nos quadrinhos de que esse crítico tem notícia. Outra maravilha que ganha mais visibilidade nos seus grandes cartuns horizontais é a sua capacidade de criar volumes e espaços sem encostar a pena no papel, somente pela alusão aos negativos das figuras, que nos faz ler o cartum de forma ora ondulante e sinuosa, ora nos dispara para a piada no final do quadro. Ethel é uma autêntica arquiteta das tiras de jornal. 



Seu idealismo, entretanto, em nenhum momento esbarra na pieguice e no moralismo disfarçado de bom-senso da maior parte da crônica jornalista dos dias de hoje, sabendo ser incisiva e carregada sexualmente, tanto nos argumentos quanto no desenho, unidos organicamente como poucas vezes se viu na arte dos quadrinhos.



De qualquer forma, como sua antecessora Brinkley, Ethel mantém, seja pelo traço, seja pelo argumento, a postura altiva e afirmativa de suas personagens femininas, que não somente não perdem o encanto como são das mais expressivas e sensuais divas que os quadrinhos já tiveram em toda a sua história. E como desenha!









*


Fay King não possui a elegância arquitetôncia das concepções de Ethel, tão pouco a exuberância das figuras evanescentes de Edwina, e muito menos o gênio diabólico e libertário de Brinkley mas ainda assim, e provavelmente por todos esses motivos, é - para esse crítico - uma das maiores artistas do período.

King nasceu em Seattle, em 1889, como suas contemporâneas, entrou ainda na adolescência no ramo dos cartuns, sempre necessitado de criadores para sua crescente demanda. Seu pai trabalhava com atletas, e King acostumou-se a conviver com pugilistas e esportistas, se acreditarmos na maior especialista nos quadrinhos feitos por mulheres, a americana Trina Robbins. 
E foi justamente no ramo predomenantemente masculino dos cartuns esportivos, onde King conheceu seu futuro marido, o campeão mundial dos pesos-leves Oscar "Battling" Nelson. O casamento, que durou 3 anos, foi desfeito sob acusações de possíveis agressões de Nelson - segundo seu próprio pai "Louco como um morcego" - e reatado pouco depois, para durar até a morte de Nelson, provavelmente por complicações devido ao seu alcoolismo. 



Nessa obra prima da cultura americana do início do século XX, King lança algumas das ideias mais importantes para os quadrinhos underground dos anos posteriores, como a sátira direta e impiedosa, a sinceridade chocante e o traço singelo e afirmativo, quase negligente. A atualidade de sua obra, em todos os seus elementos, é assombrosa. King faria outras histórias em que sua vida com Nelson é mostrada, e seu contato com o esporte reafirmado, de uma forma que só pode ser provocativa.




A inventividade e liberdade criativa de King parece não ter limites, o que nos faz pensar em como sua obra seria pior se ela se preocupasse com o seu desenho. Uma outra característica marcante de sua obra é a afirmação de sua persona artística, recurso usado anteriormente por Kate Carew com o mesmo brilho e sinceridade, e a técnica preferida pela maioria dos quadrinistas underground - ou mesmo "autorais" - dos dias que correm. Entretanto, como Crumb, King não perdoa a si mesma sequer na aparência física, e não são poucos autores que dizem ter saído de seus autorretratos o desenho de Olive Oyl de Segar.


Na verdade, King era uma pequena beldade de olhos escuros, vestida de forma extravagante e com humor e inteligência capaz de fazê-la brilhar em todos os salões dos "anos loucos" americanos. Sua veia histriônica,  foi devidamente explorada, e King protagonizou diversas peças e comédias da brodway, além de um filme, The Great White Way, de 1924, onde fazia o papel dela mesma, como "Fayrenne King".

mais uma sátira genial de King, em que o marido - como prototipo dos maridos em geral - é representado como uma criança crescida, mimada pela esposa.

A crítica social impiedosa de King aparece em outra série de cartuns, dessa vez dedicados à relação homem-mulher na sociedade capitalista, ou no caráter de dominação e exploração, ou de prostituição, em último caso, na busca incessante das mulheres por um casamento e dos homens por uma serviçal do lar. Entretanto, como toda grande artista com visão social, King tempera aproximações simples com uma dialética do dominado, fragilizando o dominador, como nas terríveis divas de Brinkley. Para que a tarefa seja mais contundente, King aproxima o seu traço das ilustrações de propaganda da época, criando efígies inócuas que podem ser lidas mesmo como uma crítica velada as suas concorrentes mais habilidosas, ou pelo menos mais habilidosas em aproximar-se da estética dominante de reis caucasianos em sua plenitude consumista. Os títulos dos cartuns são verdadeiros dós-de-peito de mensagens trocadas, adulteradas mesmo, em prol de uma leitura da sombra da sociedade, mais escura quanto mais radiante é a luz que reflete nos rostos ampapados de pó-de-arroz. Evidentemente, tudo o que o crítico disse pode ser uma interpretação enviesada do que seria nada mais que uma coluna social feita em quadrinhos, ou somente mais uma hedionda crônica de aconselhamento social, como grassam até hoje nos jornais. Mas uma obra de arte é também o que se lê dela, ou, pelo menos, o que se quer ler. Os textos explicativos dos cartuns tornam a experiência ainda mais estranha, deixando-nos a nítida impressão de que o artista ataca o que diz, defende o que ataca.







Por último, Fay King, além da coluna social genérica em quadrinhos, cria a crítica de arte em quadrinhos, em que adoráveis e velozes sketches trazem aquele entusiasmo da experiência estética imediata, conversada no bar após o espetáculo. King era uma boêmia. Uma flaneur, inconsequente e brilhante, mas arguta e penetrante, como os críticos sociais parisienses do começo de século anterior. É o Constantine Guy do século XX americano, o pintor-caricaturista que Baudelaire tanto amou. Uma pena que o poeta não tivesse conhecido Fay e seus amigos. Iria se apaixonar por eles também.




Fay King não morreu. pelo menos não oficialmente. a última notícia que temos dela é em 1967, nas colunas sociais do New York Times, onde foi vista comprando um "brazilian jaguar" em uma loja de animais (provavelmente uma jaguatirica). Não consigo imaginar uma despedida melhor da vida pública, ou dos jornais, de Fay Barbara King.




terça-feira, 21 de maio de 2013

Algumas quadrinistas americanas do início do século XX - parteI





O Capitalismo é o pincipal terreno e incentivador de criação artística do Ocidente. E foi o capitalismo, por intermédio dos Sindicates e da sua própria competição estrutural, que levaram os quadrinhos americanos ao patamar de excelência que atingiram ainda no começo do século passado, com a inclusão sem precedentes de mulheres nas suas fileiras, incomparável com outros meios de criação como  a pintura, por exemplo.
Evidentemente, quando se busca qualidade e talento capaz de gerar lucro e público, o gênero cai em desuso, somente sendo restaurado no momento da recompensa pelo trabalho. Isso pode ser aferido pela velocidade com que as mulheres foram aceitas no mercado de trabalho e a morosidade na equiparação salarial com os homens, ainda discrepatne na maior parte do mundo.
Segundo os estudiosos Dwight RDecker e Richard Marschall, existiam mais mulheres cartunistas em jornais em 1900 do que em 1980, quando o estudo foi publicado. Duvido que essa realidade tenha mudado efetivamente, apesar das novas facilidades da auto-publicação pela internete e da nova febre das graphic novels voltadas para a experiência pessoal, um tema dileto das artistas feministas.

Kate Carew por ela mesma
Kate Carew, pseudônimo de Mary William, desde a última década do século XIX é um dos maiores talentos da imprensa americana. Tornou-se célebre com entrevistas com nomes como Mark Twain e Picasso, soberbamente ilustradas por ela mesma com retratos dos entrevistados. Carew chegou a se auto-intitular "A única mulher cartunista". Como outros profissionais, foi chamada para as fileiras dos quadrinhos, onde criou, em 1902, uma versão feminina do endiabrado Buster Brown, de Outcault. Também assinou uma série de gags de um ou dois desenhos, muitos deles protagonizados pela própria Carew, em que celebra de forma ambígua a emancipação feminina. Ou, pelo menos, a aceitação dessa emancipação pela sociedade masculina. Esses auto-retratos, ou cartuns auto-biográficos tem tal atualidade - e nos remetem a tantos quadrinhos feitos por mulheres nos últimos 20 anos, notadamente a estrela Marjane Sartrapi - que chegam a ser embaraçosos.

Aqui uma página escrita e ilustrada por Kate Carew, uma entrevista com Mark Twain


Cate Karew, comentando os novos hábitos das mulheres e antecedendo muito do quadrinho autobiográfico contemporâneo.

Karew parece muito menos à vontade com sua versão feminina de Buster Brown, de 1902, onde evista o uso de sua estilização Deco, um progresso com relação ao tracejado tipicamente vitoriano dos seus contemporâneos, e opta por um estilo mais arredondado e mesmo descuidado. Como se o "modernismo" de seus desenhos de adultos ainda não pudessem ser aplicados em uma história infantil, ou a mesma não merecesse o tratamento "moderno".



*

Em 1905, a ilustradora e cartunista Rose O`Neil cria uma das maiores minas de ouro do entretenimento: o mascote fofinho, cujas histórias são simplesmente a propaganda de um produto, que por sua vez funciona como incentivador das histórias e assim por diante.

O´Neill disputa com Kate Carew o título de primeira mulher cartunista, mas não de mulher mais bem sucedida dos cartuns de todos os tempos. Nascida em 1874, na Pensilvania, filha de um livreiro de poucas posses e família numerosa, O´Neill participa aos 13 de um concurso de desenhos patrocinada pelo Jornal Omaha Herald que a catapulta diretamente para as páginas dos periódicos e revistas da época. Apesar do auto-didatismo, a maestria vertiginosa de O´Neill a faz ocupar uma posição de destaque na imprensa americana antes da maioridade.

ilustração em litografia para a Puck Magazine.

Mas foi em 1905 que O´Neil lança na eterna publicação Ladies Home Journal os seus "Kewpies", que a tornariam uma mulher capaz de arrecadar um milhão em meio de dólares por ano, o equivalente a uma indústria de médio porte nos Estados Unidos de então. Os Kewpies são cupidos fofos e insossos, magnificamente desenhados, que poderiam protagonizar tanto ilustrações com textos, cartuns, ou mesmo histórias ilustradas de uma página, as célebres sunday pages. Um ano depois, milhares de bonecos de porcelana Kewpies eram manunfaturados na Alemanha e importados para os Estados Unidos, além de broches, livros infantis, embalagens, doces, materiais de cozinha e o que mais se puder pensar no que colocar uma imagem de um anjo fofo ou não, já que os Kewpies podiam habitar tanto a embalagem de açucar quanto a de fermento. Enfim, era uma febre que, se não inaugurou o merchandising de quadrinhos, honra que pode caber a Outcault, foi inigualável em seus resultados até então. Os Kewpies e Rose O´Neill influenciaram todos os criadores de cultura de massa posteriores, de Walt Disney aos Smurfs. No Brasil somente o Maurício de Souza conhece semelhante sucesso.






Nesse original podemos notar a excelência e inventividade incansável do desenho de O´Neill.


Não é fácil para um crítico de quadrinhos tratar de um fenômeno como os Kewpies, assim como não é fácil para um crítico de arte lançar um olhar isento para artistas cujas vidas tornaram-se tão célebres quanto suas obras, como Van Gogh ou Picasso. Esse caso, entretanto, acontece uma situação oposta, já que um produto como Kewpies é visto com maus-olhos antecipados, que podem obnubilar a visão tanto quanto a redenção definitiva de um Van Gogh para a História da Arte. E, assim como o holandês tem muita pintura ruim, mesmo em seu curtíssimo auge, O´Neill consegue efeitos de sequência e de humor verdadeiros e excepcionais dentro da liquidificadora de dinheiro e emoções prontas que são os seus cupidos. E não estamos aqui defendendo nada próximo à falácia da "isenção crítica", da "independência do olhar crítico", ou qualquer outra propaganda liberal-burguesa. Acreditamos tanto na "isenção crítica" quanto na "militancia crítica", que tem, pelo menos, o mérito de assumir a cara de pau do próprio mercenarismo.
Não se pode olhar um artefato cultural fora de sua cultura. Entretanto, o crítico enfrenta o paradoxo de, em algum momento, alienar-se do seu próprio estado de intelectual burguês e dar-se os ares universalistas da Enciclopedia,  para poder desenvolver minimamente o seu trabalho, assim como o artista deve experimentar um pouco dessa mesma alienção para encontrar seu trabalho. Em outras e melhores palavras, O´Neill é uma grande artista. Suas histórias dominicais são recheadas do mais estranho e elevado lirismo e o efeito final é desconcertante e desestabilizador, como o de grandes obras de arte.


E para temperar essa aborrecida peroração, cabe acrescentar que a artista de meigos querubins divorciou-se três vezes, transformou sua mansão em um importante ponto de encontro de intelectuais e artistas e foi uma ativista apaixonada da causa sufragista feminina.

*

 Grace Drayton,  nascida na Filadélfia em 1877, é uma talentosa artista comercial que tornou-se célebre entre os americanos pelas propagandas ilustradas das Sopas Campbell para crianças e pelas sua série Dolly Dimple, uma ilustração de página inteira em que as partes poderiam ser recortadas, assim como o personagem, criando um autêntico brinquedo de vestir, ideia copiada pelo mundo todo até os dias de hoje.




Também foi uma cartunista profícua, criando uma série de personagens que vão desde Bobby Blake e Dolly Drake, em 1900, até o seu personagem mais célebre, a Pussycat Prince, de 1935, um ano antes de sua morte. Chegou a publicar histórias com seus personagens de vestir, as "Dolly Dimples" em uma estranha miscigenação de caricatura, traço naturalista e mera propaganda. 




Com exceção da criação acima, todo o trabalho de Drayton foi fortemente influenciado por Rose O´Neill, sem no entanto, o assombroso virtuosismo de sua contemporânea, como podemos notar nas histórias de Toodles, logo abaixo. Nelas, o humor ao mesmo tempo singelo e cruel, típico da época, é contado por desenhos de forma enxuta e inteligente por Drayton.



mas é principalmente nas propagandas e ilustrações que as ideias gráficas de O´Neill são mais visíveis, com o suave modelado da figura, e as cores aquareladas contornadas por um traço mais grosso, tão ao estilo do Art Noveau internacional. 



O personagem mais célebre de Drayton, data do último ano de sua vida, em 1935, e nele uma série de situações de estranha crueldade, abuso e preconceito de classes, vividos por meigos animaiszinhos pode ter inspirado muitos dos pesadelos dos comix dos anos 60. Os roteiros são de Edward Anthony, mas são os desenhos sempre belamente realizados de Drayton que roubam a cena, apesar da ostensiva assinatura do roteirista no primeiro quadro. 


Drayton era, realmente, uma artista da publicidade, com aquela capacidade de emular qualquer tipo de obra, mesmo que peculiaríssimas, como The Terrors of the Tiny Tads, de Gustave Verbeek, com algum sucesso e mesmo qualidade, como o cartum The Terrible Tales of Captain Kiddo, realizado com sua irmã, a também cartunista Margaret G.Hays. E, mais uma vez como Rose O´Neill,  Drayton casou-se três vezes e tornou-se uma ativista do sufrágio feminino.