Para escrever essa crítica cheguei a começar meus estudos sobre Johnny Ryan. Seu genial e detestável " Angry Youth Comix" e suas menos brilhantes intervenções na revista VICE, já haviam chamado minha atenção. Mas a luz que Prison Pit lança sobre toda a sua obra e sobre várias outras obras de arte em geral merece ser tratada com rapidez e sem o polimento que uma pesquisa em revistas, estantes e sites acabam por trazer à crítica de arte. A internet em geral, traz esse conhecimento útil e acessível, que acaba por melhorar o texto, mas talvez melhorar não seja o caso.
Como o grande artista plástico Paul MacCarthy - e como as crianças muito pequenas - Ryan se compraz em fazer a coisa errada. Em destruir o que está ordenado, sujar o que está limpo, e arrasar o que já está cambaleando. O enredo é simples e onírico, Um monstro espacial vestido de lucha libre é jogado em uma espécie de planeta-prisão. Já em sua queda o protagonista se atraca ferozmente com uma espécie de guarda, em uma luta que dura aproximadamente umas 30 páginas, envolvendo tripas vivas que chegam a imobilizar o herói, membros decepados, sangue vomitado e por aí vai. O capítulo se chama "Fucked" e é seguido pelo capítulo 2, "Megafucked" em que o mesmo herói encontra agora 3 antagonistas, e seguem-se mais 30 páginas de cabeças decepadas, membros arrancados, seres viventes esmagados por pedras enormes. O herói de Prison Pit tem seus rituais logo após vencer o combate: devora uma parte do adversário, como o coração ou mesmo a cabeça, chuta o seu cadáver ensanguentado e mija no mesmo, soltando alguma ofensa. E assim se desenvolve toda a história, por vários capítulos dispersos em 4 tomos.
Paul MacCarthy em santa Chocolat Pop, de 1997 e um quadrinho de Prison Pit.
Apesar de atacado várias vezes, o herói causa muito de sua miséria, esmagando pequenos seres por nenhum motivo aparente, sendo incapaz de negociar ou mesmo deixar de ofender qualquer ser vivo que atravesse o seu caminho. Ele é puro desejo de destruição. E não a destruição para a perpetuação da vida, ou seja, a caça animal. E, Pelo menos nesse primeiro livro, nenhuma fêmea de nenhuma espécie é encontrada. Ele é como o clássico herói dos quadrinhos Ranxerox, pelo menos em sua origem underground e preto e branco, onde sequer as crianças que oferecem flores são poupadas. Ambas são obras culturais que fazem o sentido da afirmação de Benjamin que reza que toda obra de civilização é uma obra de barbárie.
A artista plástica Andrea Fraser realiza em 2003 um de seus melhores e mais pujantes trabalhos. O conteúdo da obra é simples: um colecionador interessado em adquirir uma de suas obras é convidado a ser, ele mesmo, parte de uma obra de arte. Sua participação na obra seria fazer sexo com a artista, que gravou tudo e realizou 5 cópias. A obra, muito convenientemente, se chama em "Untitled". Esse trabalho propõe duas inversões brilhantes. A primeira trata da alienação do artista promovida pelo Capital, que reifica as propostas mais radicais transformado-a em mercadoria. Em Fraser é o próprio comprador que é reificado, além de passar pela degradação que a prostituição promove, segundo Marx, muito mais à quem paga e ao próprio dinheiro do que a quem se prostitui. A segunda inversão acontece á propósito do argumento da sublimação de Freud, que tratamos logo acima. Fraser desmascara do que se trata ter uma coleção de arte, desmascara o Capital Cultural e mesmo sua produção.
Andrea Fraser, Untitled, 2003
Prison Pit, sem chegar à tanto, vai mais longe, mantendo aquele grau de inconsciência que Adorno julga tão importante a obra de arte e que faz tanta falta à maior parte da produção de arte contemporânea, cartesiana até mesmo em sua loucura. Ryan ignora a parte da sublimação e mediação da obra de arte, praticando o sadismo e demonstrando sua frustração de civilizado em absolutamente todas as páginas do livro. Mesmo o lugar de Tânatos não chega a ser diferenciado de Eros. E, assim como a masturbação é o único ato de amor possível no livro, o pênis do personagem é uma clava crivada de espinhos. Nenhuma parte da obra é passível de se harmonizar com a outra. Tudo funciona da potência máxima da entropia e do embate (do desenho ao texto), assim como em Matisse todas as cores apresentam-se em sua máxima potência para se harmonizar. É o sonho da democracia burguesa em contraste ao sonho primevo do parricídio e do incesto.
Esse pulo na historiografia dos quadrinhos se deu pelo arrebatamento sentido ao ler Prison Pit? Existe um elo mais evidente entre Ryan e os quadrinistas dos primeiros posts?
ResponderExcluirMais uma vez, agradeço pelas publicações! (os comentários estão funcionando pra mim agora)
então Augusto, eu fiquei arrebatado várias vezes antes desse e guardei porque tinha o projeto de fazer uma parte histórica dos quadrinhos antes de entrar na crítica de arte, propriamente. mas é muito oneroso escrever a parte histórica e as entradas ficaram raras, me deixando triste. o prison pit não foi publicado no brasil e pode deixar uma imagem errônea, se for visto com olhos preconceituosos. a outra coisa é que eu prefiro escrever a crítica enquanto estou entusiasmado. vou fazer uns 4 de crítica de quadrinhos e depois voltar pra história, com um post sobre MacManus e as strip familys. valeu a visita!
ResponderExcluirEstou zonzo. Gostei do seu artigo. Do autor e da obra ainda não sei. Até por que só vi postou aqui
ResponderExcluirDescobri que ele vende bonequinhos :
http://johnnyryan.com/?p=1096
"sexo, conforto, reconhecimento. "
abraços.